O problema em utilizarmos conceitos de cultura do ponto de vista projetual, seja para avaliação (aspectos a mensurar) ou no design de interfaces (metas a atingir) é sua complexidade. Do ponto de vista prático, no dia-a-dia do ambiente de desenvolvimento, torna-se necessária uma operacionalização da cultura.
Cultura pode ser medida?
Segundo LARAIA (op.cit.), cultura é um fenômeno que permite um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução. Olhando do ponto de vista do projeto de interfaces gráficas de software, a adaptação de um produto a diversos públicos pode se dar por internacionalização ou localização. Cultura é o elemento fundamental nesses processos. Elementos textuais e gráficos, costumeiramente presentes, influenciam ambos.
Segundo Bourges-Waldegg e Scrivener (1998), internacionalização é o modo habitual de determinar problemas de usabilidade em HCI. Para Stathis e Sergot (1998), é o processo de desenvolver software independente de idioma, cultura e características locais.
Por outro lado, localização é o processo de adaptar produtos de software a um mercado cultural específico. Segundo EVERS (2000), há ampla literatura sobre design para localização, frequentemente com recomendações para avaliação de usuários, embora muitas vezes sejam trabalhos fundamentados na experiência dos autores e em dados auto-reportados, em vez de em pesquisa empírica.
A operacionalização do entendimento de cultura implica, eventualmente, na supressão de sutilezas, mantendo foco em características marcantes. Das três diferentes abordagens para as teorias idealistas de cultura apresentadas por LARAIA (2004), aquela defendida por Ward Goodenought, em que cultura é vista como um sistema cognitivo, encontra grande semelhaça na abordagem de Geert Hofstede (1996), base do trabalho de diversos autores que discutem sistematicamente, nos últimos anos, as implicações da cultura no design de interfaces gráficas digitais.
Geert Hofstede
No período de 1967 a 1983, Hofstede, um antropólogo de origem holandesa então envolvido com questões organizacionais da IBM, realizou pesquisas com centenas de empregados da empresa, distribuídos em 53 países.
No seu ponto de vista, a cultura é um fenômeno coletivo parcialmente compartilhado por pessoas que vivem ou viveram no mesmo ambiente social. Este ambiente fornece regras não-escritas (programação), que são aprendidas (processo cognitivo da mente) e se associam à personalidade individual. A “natureza humana” forneceria aspectos comuns a todos seres humanos (capacidade de sentir medo, amor, alegria, tristeza, etc.), servindo como base sobre a qual se desenvolve a cultura e, consequentemente, a personalidade. Portanto, a “natureza humana” seria universal e herdada, a cultura seria específica, aprendida em um grupo ou categoria a apertir de seu ambiente, e a personalidade associaria aspectos herdados com aspectos aprendidos, sendo única e individual.
As diferenças culturais se manifestam de diversas formas, mas quatro termos seriam capazes de descrever suficientemente bem o conceito total: símbolos, heróis, rituais e valores. Símbolos (palavras, gestos, imagens, objetos, etc.) carregariam significados próprios de um determinado grupo ou categoria (linguagem), mas estariam na superfície das manifestações culturais, sendo altamente visíveis a membros de outras culturas. Heróis seriam pessoas, vivas ou mortas, reais ou imaginárias, que personificam características valorizadas naquela cultura, servindo de modelos de comportamento. Também são visiveis a outras culturas, embora, muitas vezes, representados através de símbolos. Rituais são ações coletivas que, embora possam parecer tecnicamente supérfluas, são essenciais nas relações sociais. São menos percebidos externamente como manifestações únicas de cultura, embora o olhar atento e a experiência permitam identificá-los. No centro, mais afastados da observação direta e formando um núcleo de significados, estariam os valores de uma cultura. Estes seriam transmitidos cedo em nossas vidas, acontecendo principalmente no ambiente familiar, nas relações próximas de amizade da infância e na escola. Em função desse aprendizado na infância, muitos desses valores tornariam-se inconscientes, só podendo ser inferidos do comportamento. Ao ser perguntada sobre a razão para agir de uma determinada forma, uma pessoa diria simplestemte saber, ou sentir, que é certo. Isto implica, como EVERS (2000) percebeu, que pesquisas auto-reportadas apresentam uma grande limitação na avaliação de características culturais, sendo preferíveis as pesquisas empíricas apoiadas em definições de características culturais que subsidiem a análise qualitativa.
As “dimensões culturais”
Como conseqüência de suas pesquisas, Hofstede desenvolveu o conceito das “Dimensões Culturais”, características que seriam perceptíveis e diferenciadoras de culturas nacionais, grande preocupação dos desenvolvedores de software e, consequentemente, de interfaces gráficas digitais, principalmente se levarmos em consideração os processos de internacionalização e localização já descritos. Originalmente foram mapeadas quatro dimensões (PDI, IDV, MAS e UAI), acrescidas de uma última (LTO), consequente das pesquisa posteriores:
- Índice de Distância do Poder - Power Distance Index (PDI), se refere ao grau em que indivíduos com menos poder esperam e aceitam distribuições desiguais de poder em sua cultura;
- Individualismo - Individualism (IDV), refere-se ao grau em que uma cultura enfatiza o indivíduo e o núcleo familiar em relação à sociedade como um todo;
- Masculinidade - Masculinity (MAS), refere-se ao grau em que os papéis masculinos tradicionais de assertividade e competição são enfatizados;
- Índice de “evitamento de incerteza” - Uncertainty Avoidance Index (UAI), refere-se ao grau em que indivíduos mostram-se ansiosos acerta de eventos incertos;
- Orientação de Longo Prazo - Long-Term Orientation (LTO), refere-se ao grau em que a sociedade adota, ou não adota, uma devoção a um comprometimento de longo prazo e a valores tradicionais.
Para cada dimensão as pesquisas resultaram em pontuações que, relativisadas, levam a um “ranking”.
Comparando o Brasil com os extremos em quatro dimensões, temos, por exemplo:
PDI - Índice de Distância do Poder |
||
Colocação |
Pontuação |
|
Malasia |
1 |
104 |
Brasil |
14 |
69 |
Dinamarca |
51 |
18 |
IDV - Individualismo |
||
Colocação |
Pontuação |
|
Guatemala |
53 |
6 |
Brasil |
26/27 |
38 |
USA |
1 |
91 |
MAS - Masculinidade |
||
Colocação |
Pontuação |
|
Japão |
1 |
95 |
Brasil |
27 |
49 |
Suécia |
53 |
5 |
UAI - Índice de “evitamento de incerteza” |
||
Colocação |
Pontuação |
|
Grécia |
1 |
112 |
Brasil |
21/22 |
76 |
Hong Kong |
49/50 |
29 |
Tabela 1 - Posição do Brasil em quatro Dimensões Culturais de Hofstede.
Como conseqüência do trabalho de Hofstede, diversos autores envolvidos com usabilidade e design de interfaces passaram a ter um modelo de operacionalização para o conceito de cultura. Diferentes abordagens podem ser encontradas, desde a tentativa de uma outra operacionalização como o uso das dimensões culturais de Hofstede na avaliação de interfaces Web.